Para o conservadorismo, como governos grandes destroem valores sociais importantes?



Por Vinicius Campos

Por que serĂ¡ que existem sociedades com ampla capacidade de ser caridosa e sociedades que dependem do Estado para caridade? Por que algumas sociedades sĂ£o tĂ£o benevolentes com o prĂ³ximo e algumas outras tĂ£o pouco? Tem a ver com o clima do paĂ­s onde nascem? Ou localizaĂ§Ă£o? Ou, entĂ£o, situaĂ§Ă£o econĂ´mica? Certamente que nĂ£o sĂ£o fatores preponderantes. De certo, o que influĂªncia a capacidade de caridade dos povos Ă© sua formaĂ§Ă£o cultural.

Mas o que pode formar a cultura de modo que seus povos se tornem caridosos? Ampliando nosso campo de estudos, o que forma uma cultura social de independĂªncia individual, responsabilidade, caridade, uniĂ£o, trabalho, respeito, entre outras coisas? As linhas liberais mais extremas dizem que o mercado quem gera esses valores, enquanto que as linhas liberais mais prĂ³ximas ao conservadorismo, que transcendem a anĂ¡lise de sociedade simplesmente por uma racionalidade econĂ´mica, dizem justamente o oposto, que Ă© em uma sociedade de valores elevados que nascem mercados maduros.

Para o conservador Edmund Burke, a sociedade nĂ£o Ă© simplesmente uma associaĂ§Ă£o contratual entre aqueles que a ela pertence no momento presente, mas sim entre aqueles que jĂ¡ se foram, os que ainda vivem, e os que ainda irĂ£o nascer. O que os liga vai alĂ©m desse contrato, mas algo como amor, descrito em sua essĂªncia por valores como respeito, responsabilidade social, gratidĂ£o, compaixĂ£o, entre outros, que nĂ£o necessitam de nenhuma coerĂ§Ă£o pra serem praticados. A sociedade Ă© uma herança onde, ao pertencer a ela, se tem responsabilidades herdadas das gerações anteriores.

É justamente por este motivo que os conservadores sĂ£o contra ideologias radicais ou revolucionĂ¡rias, por acreditar que se apoderam de ideologias para consumir o capital cultural construĂ­do por gerações anteriores e que tornaram aquela sociedade possĂ­vel. Ao consumir o capital poupado pelos antepassados, comprometem as gerações futuras. O pior disso tudo Ă© que me parece ser mais fĂ¡cil isso ocorrer do que reverter uma sociedade sem valores para uma sociedade de responsabilidades.

A sociedade de verdadeiros valores e de liberdade sĂ³ pode ser construĂ­da de baixo para cima, visto que, se construĂ­da de maneira oposta, de cima para baixo, serĂ¡ construĂ­da de modo que os valores a se considerar serĂ£o meros reflexos do tirano que a moldou. Justamente por isso acredito que, embora referĂªncias teĂ³ricas sejam importantes (e, sociedades construĂ­das de cima para baixo sĂ£o baseadas em teorias), hĂ¡ no mundo uma superioridade da prĂ¡tica ante a teoria (sociedades moldadas de baixo pra cima sĂ£o moldadas por tentativa e erro, ou seja, pela prĂ¡tica – essĂªncia do conservadorismo).

Observe que nĂ£o Ă© preciso ir muito longe para notar tal superioridade – da prĂ¡tica ante a teoria. Empreendedores de sucesso nascem com muito mais frequĂªncia de uma garagem do que de referenciais teĂ³ricos ou de todo aquele charlatanismo do tipo “10 lições para ser um empreendedor de sucesso”. Em suma, a teoria deriva com muito mais frequĂªncia da prĂ¡tica do que o inverso, enquanto que boa parte da categoria acadĂªmica que, na prĂ¡tica nĂ£o consegue fazer “as coisas acontecerem”, se esforçam para elucidar uma suposta superioridade da teoria ante a prĂ¡tica.

Embora tenhamos a impressĂ£o de que o liberalismo clĂ¡ssico, por ser uma teoria focada no indivĂ­duo, seja algo demasiadamente individualista e egoĂ­sta, a verdade Ă© justamente oposta. O liberalismo clĂ¡ssico nĂ£o apenas te dĂ¡ liberdades, mas tambĂ©m responsabilidades. Para Adam Smith, precursor do liberalismo clĂ¡ssico, nĂ£o nos resumimos a simples “homo economicus”. NĂ£o pensamos apenas se nossas transações serĂ£o lucrativas ou nĂ£o, como supõem algumas ideologias liberais mais radicais, e isso nĂ£o ocorre porque para que uma sociedade se sinta Ă  vontade para transacionar, Ă© preciso ter solidificado relações de confiança.

Em “A teoria dos sentimentos morais”, Smith argumenta que um mercado capaz de alocar de forma Ă³tima seus recursos sĂ³ existe onde hĂ¡ confiança. E esta Ă© construĂ­da em uma sociedade que detĂ©m de consciĂªncia social, isto Ă©, onde as pessoas possam satisfazer seus interesses apenas, e um contexto onde elas possam, tambĂ©m, renunciĂ¡-los. Em outras palavras, tal sociedade Ă© moldada por um valor que, por vezes, pode suplantar a racionalidade econĂ´mica. E isso leva os agentes a ampliar suas relações de confiança.

Uma sociedade pautada na liberdade e, na mesma medida, em responsabilidades, trĂ¡s consigo que Ă© de sua total responsabilidade as mazelas daquela sociedade. Quando o poder de um governo aumenta, tudo que Ă© mais constante se reduz: a individualidade, a benevolĂªncia, o carĂ¡ter, e, essencialmente, as liberdades - “Quanto maior o governo de uma naĂ§Ă£o, menor sĂ£o os cidadĂ£os dessa sociedade”.

O governo deve assumir uma postura, na maioria das vezes, passiva ante a sociedade, e ativa apenas em pequenos detalhes, e nĂ£o o oposto. Assim, tem de ser, na maioria das vezes, o ultimo recurso dos cidadĂ£os como uma rede de proteĂ§Ă£o para aqueles que nĂ£o podem ou nĂ£o conseguem mais contar com a benevolĂªncia de ninguĂ©m, seja amigos, famĂ­lia ou outros diversos grupos sociais ao qual pertence. Quando o Governo se torna o primeiro recurso no qual as pessoas buscam quando hĂ¡ dificuldades, torna a busca pelo governo recorrente, ao mesmo passo que reduz a busca por aqueles que compõem seus laços sociais de relacionamento. Isso acaba por reduzir a capacidade caridosa das pessoas, afinal, sabe-se que o governo poderĂ¡ acudir, isentando-se de responsabilidade social.

As sociedades que optam por governos demasiadamente influentes destroem continuamente seus laços afetivos, tornando as coisas mais cĂ´modas. Desenvolvem sentimentos de ingratidĂ£o, tendo em vista que hĂ¡ a impressĂ£o de que ninguĂ©m deve nada a ninguĂ©m. E muitas vezes o sentimento Ă© de revolta, jĂ¡ que muitos contribuem com vultosas quantias ao governo e veem muitos outros usufruindo com maior frequĂªncia que si, exacerbando seu ressentimento. Quanto mais as pessoas esperam receber do governo, menos agradecidas pelo que recebem se tornam - e isso se expande aos demais membros desta sociedade.

Deste modo, exige-se cada vez mais do Estado, que incha cada vez mais para atender. Quando a situaĂ§Ă£o se torna insustentĂ¡vel, jĂ¡ que as contas pĂºblicas tencionam ante a exigĂªncia de maior benefĂ­cio e rusgas por pagar cada vez mais (o que torna a sociedade uma disputa por benefĂ­cios, minando, inclusive, a polĂ­tica), os privilĂ©gios vĂ£o se acabando e sobra apenas as contas Ă  pagar, exaltando os sentimentos amorais.

0 ComentĂ¡rios